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Psicologia Humanista

Psicologia Humanista e a Abordagem Centrada na Pessoa

A Psicologia Humanista, como a terceira grande vertente da psicologia, foi formulada no final da década de 50, pelo psicólogo estadunidense Abraham Maslow. Em seu livro “Introdução à Psicologia do Ser”, de 1957, Maslow escreveu sobre a necessidade de se desenvolver uma visão da psicologia mais voltada para a saúde do que para a doença, privilegiando temas como motivação, autorrealização, livre-arbítrio, criatividade, identidade, autorreponsabilidade, subjetividade etc. Ao fazer isso, criticou as vertentes relacionadas à psicologia que existiam até então: primeiramente a Psicanálise (e algumas de suas ramificações), que despontou com Sigmund Freud em 1900, e o Behaviorismo ou Psicologia Comportamental, iniciada com John Watson em 1913.

Há alguns marcos importantes que delimitam o início dessa nova visão sobre o saber psicológico: em 1961, Maslow e o psicólogo Anthony Sutich lançaram o primeiro número da revista “Psicologia Humanista”; em 1963, eles fundaram a Associação Americana de Psicologia Humanista; e, em 1964, uma grande conferência, que contou com a presença de Carl Rogers, acabou por consolidar o movimento humanista. Outras duas grandes correntes de pensamento, que surgiram algumas décadas atrás, confluíram para a formação desse movimento. São elas: a “Psicologia Existencial”, oriunda da obra de filósofos fenomenológicos e existenciais, principalmente de Martin Heidegger, desenvolvida por Ludwig Binswanger e, posteriormente, Medard Boss, a qual foi denominada, já em 1941, por Binswanger, de “Daseinsanálise”; e temos a “Psicologia da Gestalt”, desenvolvida por, entre outros, Max Wertheimer, a qual recebeu um emprego psicoterapêutico com o psiquiatra Friederich Perls e o que ele chamou, em 1951, de “Gestalt-Terapia”. A filosofia existencial e fenomenológica de Kierkegaard, Husserl, Heidegger, Sartre e Merleau-Ponty contribuíram tanto com a formação desse olhar inovador sobre a psicologia, que a Psicologia Humanista também pode ser chamada de “Psicologia Humanista-Fenomenológica-Existencial”. Em suma, são abarcadas pela Psicologia Humanista as vertentes: Daseinsanálise (Binswanger), Psicanálise Existencial (Sartre), Gestalt-Terapia (Perls) e a Abordagem Centrada na Pessoa, ou ACP (Rogers). Cada uma delas com suas particularidades e diferenças, tendo eu escolhido a ACP por ter me encantado com sua simplicidade e eficácia.

A palavra “humanismo” nos remete ao movimento intelectual ocorrido na península itálica, no século XV, que surgiu com a Renascença, e que considera o homem como o principal centro de interesse, ou seja, temos o antropocentrismo em oposição ao antes vigente teocentrismo. O pensamento humanista resulta em um afastamento de dogmas e de ditames metafísicos, fazendo do homem o senhor de seu mundo, sendo capaz de se autogerir, de se autogovernar e autorrealizar-se. Desse modo, o homem pode controlar seu destino, tornando-se um eterno vir-a-ser, sempre em constante transformação. Esse pensamento se opõe à teoria psicanalítica, a qual é determinista, e considera o homem como estando fadado às determinações do inconsciente e às experiências ocorridas na infância. Além disso, a ênfase se dá em interpretações teleológicas, que enfocam a finalidade em vez da causalidade, privilegiando o tempo presente.

O termo “existencialismo” nos traz de volta a tal autonomia e liberdade de escolha humanista, considerando a existência uma possibilidade de se construir, de se projetar. Isso faz com que o terapeuta priorize o existir, deixando de lado concepções teóricas muito abstratas e distantes da realidade do cliente, considerando-o simplesmente uma pessoa em busca de um significado para sua existência. Quanto à fenomenologia, foi assimilada dela uma postura importante, a chamada “redução fenomenológica”. Ela implica livrarmos de todas as nossas preconcepções e apenas observarmos o fenômeno que ocorre diante de nossos olhos, que se mostra para nós, sem desconfianças. Posto isso, o psicoterapeuta humanista-fenomenológico-existencial não precisa se munir de interpretações ou de rótulos para descrever suas impressões diante do fenômeno que testemunha, do que percebe ou intui em relação ao cliente.

Outra valiosa contribuição assimilada à Psicologia Humanista foi a “teoria organísmica” do psiquiatra Kurt Goldstein. Tal teoria prega que existe uma necessidade intrínseca a todo organismo vivo de atualizar (ou realizar) seu potencial, tornando-se mais complexo, organizado e autônomo. Para Goldstein, todo organismo tende naturalmente ao equilíbrio, isto é, possui a capacidade de se autorregular, de se “autorrealizar”, assim, o organismo, por si só, pode alcançar a saúde, havendo uma espécie de “sabedoria organísmica”. Todo organismo, quando é privado de se satisfazer, procura formas de compensar sua satisfação natural, e a doença, por este viés, aparece como uma forma de autorregulação, uma tentativa de se equilibrar ao meio que o privou, de recuperar sua natureza. Carl Rogers vai se referir a essa teoria, dizendo que há uma “tendência atualizante”, uma tendência à atualização (ou realização) do potencial, à “autorrealização”, que está sempre presente em todos nós, garantindo a competência do cliente em descobrir quais são suas melhores escolhas, sem necessitar que o terapeuta diga o que ele deve fazer. O terapeuta para Rogers, na verdade, é um facilitador, que contribui para que o cliente explore suas possibilidades e seus potenciais a fim de se conhecer, assumir-se quem já se é, e adquirir autonomia sobre si mesmo. Ao contrário do que fazem os terapeutas comportamentais, por essa perspectiva, não são feitos planejamentos, estipulados objetivos nem estratégias, pois a terapêutica do processo de acompanhamento psicológico se dá a partir de uma abertura incondicional aos temas que o cliente traz, e da construção de uma relação baseada na autenticidade.

Finalmente, cabe ressaltar que o termo “Centrada na Pessoa” deixa claro o fato de a abordagem de Rogers não se centrar em transtornos, diagnósticos ou rótulos preconcebidos, mas sim no ser humano que se apresenta. O foco é a pessoa e sua subjetividade, e não possíveis neuroses, doenças e disfunções como outras abordagens propõem. O terapeuta/facilitador dá atenção ao que é trazido à sessão pelo cliente e se esforça em sentir o mesmo que ele, em “calçar seus sapatos”, em “ver com seus olhos”. É essa ligação afetiva que consideramos transformadora, terapêutica, benéfica, que faz com que o cliente se acolha espelhando-se no acolhimento que recebe do terapeuta, e passa, assim, a se conhecer e a escolher seu próprio caminho, a se apossar de si. Aliás, a designação “cliente” substitui “paciente” por se tratar, aqui, de uma “relação horizontal”, diferentemente da relação médico-cliente, já que não há diretividade ou imposições.